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Redimindo o Nome Jacó - יעקב



Nil X. Costa Barzêl
Prof de Hebraico bíblico e moderno do Antigo Testamento.


Se tornou comum, entre os cristãos, principalmente no meio evangélico, interpretar o significado do nome Jacó como "enganador". Não são raras as pregações ou exposições  que seguem essa linha interpretativa. Por que? Porque, trata-se, infelizmente, de um senso comum tomado  como verdadeiro por excesso de reprodução. Geralmente, o que leva a isso, é a ideia de que, se foi dito nos púlpitos, principalmente por pregadores tidos como famosos, então é uma verdade. A ampla maioria dos crentes não gostam de se dar ao trabalho da verificação, pois isso exige, às vezes muito esforço e dedicação à leitura e principalmente em conhecer a língua original em que um determinado texto bíblico foi escrito. Nesse meio, muitas vezes, estudiosos ou teólogos não são vistos com bons olhos, visto não atenderem a agenda comum, que é produzir sensações e êxtase, principalmente entre os pentecostais. Essa religiosidade fundamentada na ideia da revelação ao abordar um texto, acaba por se embrenhar em muitos equívocos e distorções do real sentido do texto bíblico. 

Como narrado na Bíblia, a origem etimológica do nome Jacó, encontra-se em Gênesis 25. 19-27, em que Rebeca, mulher de Isac יצחק, dá a luz aos gêmeos, Esaú e Jacó. No texto em foco , Jacó ao nascer, sai apegado ao calcanhar de seu irmão Esaú, e, é aparentemente daí que a raiz do nome Jacó deve ser tirada. Entretanto, a ideia de que o nome Jacó signifique enganador, parece pertencer a uma leitura mais ampla e de certo modo equivocada. Ele está relacionada as suas atitudes em relação a seu irmão, principalmente à partir do episódio narrado no capítulo 27 de Gênesis, no qual, Jacó mediante um embuste arquitetura juntamente com sua mãe, acaba ficando com a bênção patriarcal da primogenitura. Ou seja, o nome Jacó acabou estigmatizado por essa atitude como "enganador".

Esaú e Jacó é o penúltimo livro de Machado de Assis, lançado em 1904, quatro anos antes da sua morte.


Antes de entrar-mos mais precisamente na questão etimológica do nome, cabe aqui salientar que, o nome Jacó, não é de cunho restrito ao povo israelita, e que não foi, a grosso modo, inventado por sua mãe Rebeca. O nome Jacó יעקב, é atestado como de uso comum entre os semitas do antigo mundo cananeu, e,  não somente este, mas muitos outros que encontramos na Bíblia Hebraica. Nomes como, Abraão, Isac, Leia e até mesmo Israel, figuram em textos extra-bíblicos, entre os escritos dos povos que antecederam o povo de Israel. Após a descoberta dos textos eblaístas, pertencentes ao século XV a. C,   alguns nomes que encontramos nos textos bíblicos vieram à tona como fé uso muito comum, apenas com leves mudanças, devido a questões em que o falar semítico tende à dialetos regionais. Por exemplo, podemos ver esse fenómeno de leves mudanças de pronúncia, atestada pela própria Bíblia, diferenças de pronúncia entre os homens de Gilead e os Eframitas. Os gileaditas pronunciavam shibolet שבלת, enquanto que, os eframitas pronunciavam sibolet סבלתי (Juízes 12. 6). Quanto ao nome Israel, além de figurar entre os nomes eblaístas com israil, também é mencionado nos escritos egípcios de execração de Tel el-Amarna, muito antes de o Israel bíblico começar a se formar como elemento estatal em Canaã à partir do século XII a.C (a menção de um Israel nas cartas egipicios, ainda permanece em foco de discussão entre os acadêmicos). Percebemos, que certos nomes bíblicos, pertenciam a uma cultura mais abrangente, que não, apenas, exclusivamente em Israel -Judá. 


Tel El-Amarna – Cidade de Akhetaton, também se chama “Amarna” e no antigo Egito foi conhecida pelo nome Akhet-Aton que significa 'Horizonte de Aton'. É uma das mais atrativas regiões no Egito.


Pensa-se, inclusive, que o nome Jacó seja um hipocoristico, derivado de Yakov-el, utilizado carinhosamente por sua mãe. Esse pensamento, inclusive, conforma-se adequadamente com o que é narrado em Gn 25, visto parecer improvável que uma mãe, no contexto do Antigo Oriente, desse à seu filho um nome de peso negativo, como "enganador". Nomes, eram, geralmente dados, com a finalidade de bênção; daí a razão de nomes compostos por elementos divinos: El  ( Israel-Daniel e etc); Yahweh (Ezequias- Jeremias- Josias e etc); Nabu (Nabopolassar - Nabucodonosor - Nabonido e etc). O nome Jacó, que em hebraico é  Yaakov יעקב, vem do termo "ekev" עקב (calcanhar). Entretanto, ekev possui uma gama vasta de sentidos ou significados, devido ao contexto em que ele for aplicado, como por exemplo: persistir, insistir, continuar, preservar,  resultado, compreensão e galardão. Tudo dependerá como o termo funcionará devido ao contexto. Trata-se de algo muito comum na língua hebraica, em que uma determinada palavra pode desdobrar-se em sentidos múltiplos. Para se ter ideia, o termo ekev, aparece em Deuteronômio 27.12, com o sentido de perseverar, mas infelizmente, a tradução da Bíblia em português não nos trouxe uma tradução exata do termo, mas sim, muito fraca. É provável que isto ocorreu, devido alguma dificuldade de uma tradição exata. Em português temos: "se ouvirdes estas normas e as puserdes em prática". Em hebraico o mais correto seria: " se ouvires estas normas e perseverardes praticando-as". Percebe-se que o termo ekev (perseverar) não foi traduzido, reduzindo o termo em um simples "se".


Inclusive, torna-se muito importante saber, que a parashá (leitura fundamental feira nas sinagogas judaicas) chamada ekev (continuarem), é fundamentada em Dt 27.12. Um ponto importante que também deve ser exposto aqui, é que, o termo ekev, entendido como não somente, significando calcanhar, mas em seus desdobramentos;  continuar, perseverar e etc., alcança relação de sentido de relação com outros termos utilizados para se referir ao povo de Israel, como por exemplo o termo "hebreu" עברי, cuja raiz vem de cruzar, atravessar. Ou seja, um hebreu, é aquele que não para no meio do caminho,  mas aquele que vai até o fim da sua jornada, aquele que não desiste e atinge o alvo. Nesse caso, fica clara a relação de sentido que pode ser estabelecida entre ekev e hebreu, tanto no sentido literal como calcanhar, como no sentido de perseverar, visto que, o calcanhar, é o órgão que ajuda produzir o movimento do andar, do se locomover.  Dessa forma, podemos perceber que, o nome Jacó "Yaakov", está ligado a ideia de persistência, determinação. Inclusive, é o se pode extrair de toda a sua história narrada no Gênesis: Gn 14, em que Jacó trabalha 14 anos para seu sogro afim de casar-se com a sua amada Raquel; Gn 32. 23-32, em que Jacó luta com o homem (anjo), no Vau de Jaboq, e, onde temos sua célebre frase: "não te deixarei se não me abençoares". 

O rio Jaboque ou rio Zarqa é um dos dois principais tributários do rio Jordão, à margem leste, na Jordânia. Deságua no Jordão entre o mar da Galileia e o mar Morto. 

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