A ÉTICA DOS PROFETAS - Navi נביא (Prophet)



I. INTRODUÇÃO


Desde o séc. XI a.C. até o séc. V a.C., os profetas exerceram ministério dirigido ao povo de Deus, sempre transmitindo mensagens de YHWH, em especial nos períodos de maiores crises da história de Israel e Judá. Os maiores hermeneutas são quase que unânimes em afirmar que os profetas não trouxeram novas leis ou um código de ética novo, porém primavam pelo cumprimento no viver diário daquilo que Deus já dera a Moisés como Lei a Seu povo.

Os profetas foram homens comissionados por YHWH para, à luz da Verdade revelada por Ele, criticar a situação de pecado do povo e encorajá-lo a mudar de vida e confiar somente em YHWH. Os profetas foram homens que se prenderam a Bíblia, falaram o que ela fala, não a diminuíram, não a ultrapassaram. Os profetas não se conformaram com o pecado estrutural, antes denunciaram, condenaram, acusaram e se encheram de indignação contra os erros do mundo. Eles tinham visão social, consciência política, sensibilidade aos desmandos do poder.
Os profetas não se filiavam a grupos ou partidos, eles não se compravam, não se vendiam e não se alugavam, mas apresentavam consciência crítica.

Navi נביא (Prophet)


II. O PROFETA E A ÉTICA BÍBLICA

De início, é bom ressaltar que a grande característica do pensamento ético hebraico, não só dos profetas, é ser ele Teocêntrico ou centralizado em Deus. O próprio sistema cúltico judaico raramente distinguia o elemento ético do religioso, pois YHWH-ELOHIM é a fonte de toda exigência moral e o Supremo Bem. O Antigo testamento não apresenta dicotomia entre o secular e o sagrado, vigente no pensamento grego, antes toda a vida é apontada como sagrada, pois ela é Dom de Deus. Assim, a ética bíblica é de culto do único Deus.
Para compreendermos a ética dos profetas também é mister entendermos o contexto sócio-econômico e cultural de sua época, a organização geopolítica, o tempo de seu ministério e o lugar onde cada profeta entregou sua profecia.
Os profetas usavam de suas mensagens para conclamar o povo a uma vida reta diante de Deus, uma vida de temor a Ele (Is.1:16-17). O seu ensino moral se derivava de sua maneira de compreender YHWH, que se revelara como Deus reto, e não de qualquer teoria racionalista de virtude e de sumo bem para o homem, ou de simples entusiasmo pelo ideal de igualdade humana, ou de algum conceito de solidariedade humana baseada em noções essencialmente humanistas, como a natureza orgânica da sociedade e o conceito de prudência em termos de “um mundo só ou nenhum”.


Os profetas se preocupavam com a vida real das pessoas por não aceitarem a existência de uma dicotomia entre a vida diária e a vida sabática, ou vida religiosa. Eles não aceitavam o descaso para com as crianças e viúvas (Is. 10:1-2); a preterição e a opressão contra os pobres (Am.4:1, 6:3-7); a prática de injustiça e favorecimento dos Juízes (Am.2:6-7, Mq.7:3); o desregramento e perversidade sexual do povo (Am.2:7-8); a infidelidade e a inépcia dos governantes (Is.56:10-12; Jr.25:34-38; Ez.34:2-10); a imoralidade e o descaso dos líderes religiosos (Jr.2:8, 10:21, 23:1-4; Ez.34:2-10; Am.7:10-17); a religião institucionalizada (Am.5:21-27; Is. 1); a desonestidades dos empresários e comerciantes (Am. 8:4-6; Mq.6:11).

A ênfase à moralidade social dada pelos profetas tem sua gênese na própria LEI, em particular na prescrição do ano sabático e do ano do jubileu, que conclamava a uma valorização do próximo, de forma a não haver desigualdade social, ao apresentar leis que favoreciam os pobres e escravos (Lv. 25:35-55). Em suma, o fundamento da moralidade social profética está em que tudo é de Deus: a terra é dEle; os homens são dEle; a vida é dEle.

Por ter caráter teocêntrico, se faz preponderante à nossa análise uma compreensão, inda que superficial, do conceito básico de pecado pertinente na literatura profética. O pecado no A.T. é, principalmente, compreendido como desobediência a Deus ou rebelião contra Ele. A transgressão de qualquer lei era considerada em si imoralidade. Os profetas estavam convencidos de que a suprema exigência que Deus faz ao homem é de justiça, ou seja, de fidelidade irrestrita à aliança.
Sem dúvida, a grande insistência dos profetas, além da chamada ao retorno ao pacto de Israel com YHWH, foi a conduta pessoal correta. Os profetas buscaram levar o povo a ser diferente dos outros povos pagãos que viviam ao redor de Israel, ou seja, leva-los a praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus (Mq.6:8).


III. CONCLUSÃO

A proposta de ética dos profetas apontava claramente para uma ética social, por considerar que não é possível a dissociação entre a fé religiosa e a vida social. Essa ética mostrava alguns contornos que podemos observar e reclamar para os nossos dias:

a. A ética cristã não é dicotômica, ou seja, não há uma ética dominical, praticada no templo, e outra ética para a semana, praticada no serviço, na família, na sociedade. A fé que professamos em Cristo deve ser evidenciada em atitudes práticas, conforme asseverou Tiago a fé sem obras é morta (Tg. 2:14-25), portanto sejamos “praticantes da palavra e não somente ouvintes” (Tg.1:22). Um cristão não deve ser conhecido por causa de jargões que utilize, ou mesmo por se dizer um cristão, mas por apresentar uma ética bíblica, que não se compactua com a exploração, com a imoralidade, com o relativismo. O cristão choca-se, indigna-se e protesta, em nome de Deus.


b. A ética cristã não é individualista, antes prima pela solidariedade (Am.6:6; Is.58:6-7). Devemos resgatar o respeito e o amor pelo próximo, além da consciência de que somos responsáveis uns pelos outros, de que devemos cultivar uma preocupação comunitária. O cristão não deve viver procurando levar vantagem em tudo, mas antes aceitando, se for necessária, a perda.

c. A ética cristã deve primar pela integridade administrativa impecável. É incompatível com a fé que professamos a sonegação fiscal, a adulteração de notas, os acordos trabalhistas que sejam em desacordo com a lei vigente no país, a desvalorização dos funcionários de nossas instituições eclesiásticas, etc. A alegação de que “todo mundo faz”, ou a de que “não podemos ser prejudicados”, são em si contrárias ao ensino dos profetas, divergem do que professamos ser nosso código de ética, pois, integridade não é uma opção para a Igreja, é uma exigência.
d. A ética cristã não pode compactuar com favorecimento, com corporativismo, com “jeitinho”. Não há qualquer ressalva na lei, em especial nas profecias, que permita agirmos com parcialidade, ou seja, “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Conquanto isso seja óbvio, muitas vezes nos pegamos agindo dessa forma ao defendermos uma justiça relativista, que nos beneficie sempre em detrimento do que realmente é justo.

e. A ética cristã, à semelhança da ética dos profetas, defenderá sempre a igualdade de todos perante a lei. Esse pensamento é um desdobramento do anterior, mas que visa frisar essa que tem sido uma verdade, por muitos olvidada, de que a iniqüidade é um terrível pecado, que macula a Igreja ante a sociedade.

f. A ética profética era uma ética de defesa do oprimido e condenação do opressor. Essa consciência de deve nos levar a questionar o que temos feito como Igreja do Senhor Jesus de real para combater a desigualdade social e econômica. Não podemos aceitar como certo a exploração do trabalho escravo, do trabalho infantil, antes devemos lutar para que o ser humano possa desfrutar de uma vida digna, à semelhança do que Deus prometeu para nós.


O crente do século XXI deve ser impelido a viver uma vida reta diante de Deus e dos homens. A Igreja de Jesus não pode ser conhecida como uma confraria de religiosos, antes deve ser e fazer diferença no mundo, como sendo a portadora do padrão ético, moral e religioso que todo o homem deve seguir.

IV. BIBLIOGRAFIA

COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Descubra Agora: A Ética dos Profetas para Hoje. São Paulo: Exodus, 1997.

GARDNER, E. Clinton. Fé Bíblica e Ética Social. Trad. Francisco P. Alves. São Paulo: ASTE, 1965.

PAPE, Dionísio. Justiça e Esperança para Hoje: A Mensagem dos Profetas Menores. São Paulo: ABU, 1982.

Bíblia de Estudo VIDA. Tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada, 2a. edição. São Paulo: SBB, 1998.

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