Deus foi almoçar - novo romance de Ferréz

Escrito durante 7 anos, Deus foi Almoçar é o novo livro de Ferréz.O romance psicológico, sobre um personagem de meia idade, que trabalha num arquivo morto e se apaixona por uma mulher que passa o dia inteiro lavando o quintal.
O personagem principal chamado Calixto também tem um estranho amigo chamado Lourival que coleciona todo tipo de coisas.
A densidade psicológica de um homem aparentemente comum, que vive os tempos de hoje como ele deve ser vivido, dias amargos e incertos.



















Trecho de Deus foi almoçar
É madrugada, alguém leva outra pessoa para juntos não chegarem.
Alguém lava pratos e deixa cair água dos olhos numa casa de aluguel.
Alguém descobre que ninguém é dono de nada.
É madrugada, alguém atravessa uma ponte em Madison.
Estou sozinha agora, a pequena dorme, e finalmente estou sozinha agora.
Meu nome não é Francesca, e nem Moll Flanders, mas eu tenho alguns motivos pra viver também.
Ele chegou tarde, eu não vivo a relação como ele, eu não lavo louça como ele, nem faço café como ele, eu espero que ele pergunte, que adivinhe a mudança, que me faça sentir que estou aqui dentro dessa casa, que um dia foi um ninho.
Cruza a sala, ao banheiro ele chega. Mais atenção ao barbear do que ao se trocar, menos espaço entre o passado que o beijo que dará no futuro, em outra alguém, pois na chegada os lábios molhados viraram somente um pequeno olhar de soslaio, daqueles que agente faz pra algum carteiro, quando não espera de fato correspondência.
Em algum lugar um rato está preso em uma cômoda, onde um pequeno espelho mostrou tantas vezes para uma menina, que o tempo é implacável com as pessoas.
A planta foi aguada, a terra revirada, o chão varrido, as panelas guardadas, a comida cozida, a teia arrancada, a cama arrumada, a janela lavada, a roupa passada, a vida guardada, o amor jogado, o carinho deixado de lado.
Se fosse um fotógrafo talvez me olhasse como algo que pudesse se assemelhar a uma imagem.
Alguém joga 808 kilos de aço e plástico mais 75 kilos de carne contra um poste.
Ele não tirou os sapatos ao entrar, ninguém nunca tira os sapatos ao entrar num lugar que não se ama.
Sempre cuidei dele muito bem, deixando o que ele gosta sempre perto, nunca viajei para que não o fizesse infeliz, minha mãe morreu em abril próximo, pedi a um primo para me enviar uma foto do enterro, todos estranharam, mas japoneses filmam velórios.
Suas meias não estarão enroladas na semana que vem, nem suas camisas passadas.
Ele parece não ter entendido direito, não me viu chorar, nem gritou para que não acordasse a pequena, o que eu fiz foi deixar aquilo tudo muito claro, racionalizar para resolver o problema.

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